7 de setembro de 2019

VAI ENCARAR?!

Sobre intolerância religiosa.
Texto traduzido diretamente do encarte do CD.

"Kasai está situada no centro da República Democrática do Congo. Enquanto a exploração de diamantes alimenta principalmente a capital e o estrangeiro, sua infraestrutura é uma das piores do país: poucos quilômetros de ferrovias, nenhuma estada pavimentada, hospitais datando do período colonial, água e energia esparsas, cidades se expandindo caoticamente. Com os pés na água, Kasai está morrendo de sede.

A arte em Kasai é principalmente utilitarista e fortemente ligada à religião. Quando o cristianismo foi introduzido na virada do século XX, a luta contra o "paganismo" destruiu primeiramente as artes visuais: missionários queimaram ou confiscaram sistematicamente as mesmas esculturas que foram sensação no circuito avant-garde europeu da época. Sendo um bem não material, a música tradicional foi mais difícil de obliterar: em tempos recentes sofreu uma rápida extinção por conta das ditas "novas igrejas" que consideram toda música não cristã como "satânica" e a combatem com forte pressão social e novos e potentes amplificadores.

Em Kasai, mesmo os pequenos vilarejos têm diversas "novas igrejas", cuja influência cresce enquanto as condições de vida se degradam. O povo, com medo de ser excluído dessas igrejas, não ousa mais executar a música tradicional. As crianças do vilarejo não praticam o inventivo canto tradicional para se tornarem cantores do coral. Os instrumentos regionais foram confiscados e utilizados somente na liturgia cristã; se você quiser dançar, terá que ser na igreja aos domingos. A música que se ouve é o gospel americano importado que, além de não ter inspiração, é socialmente ineficaz: canta-se as mesmas canções tanto em festas quanto em funerais.

Paradoxalmente, como consequência, a verdadeira cultura musical de Kasai é encontrada atualmente nas cidades, onde as pessoas estão mais livres do escrutínio das igrejas. Este é um dos motivos que a turnê do Kasai Allstars pelo país em 2002 foi recebida com muita curiosidade e entusiasmo.

Estabelecido em Kinsaha, Kasai Allstars reúne cerca de 25 músicos de cinco bandas e cinco diferentes grupos étnicos: Luba, Songye, Lulua, Tetela e Luntu. Alguns desses grupos enfrentaram conflitos entre si ao longo dos séculos, cada um com sua cultura, linguagem e tradição musical próprias, que se pensava serem incompatíveis até que esses músicos decidiram unir seus recursos e formar uma "superbanda".

A música que executam vem diretamente de rituais festivos praticados na selva antes da chegada dos europeus. Os sons tradicionais foram combatidos sucessivamente pelas autoridades coloniais, pelos missionários e pelas seitas evangélicas Congolesas que ganhavam força e influência. As danças altamente eróticas e as cerimônias pagãs foram banidas. Os instrumentos tradicionais desapareceram e hoje são encontrados apenas em museus do hemisfério norte.

Embora o aspecto cultural do seu trabalho seja importante, os membros do Kasai Allsars são em primeiro lugar músicos, cantores e dançarinos que decidiram misturar no mesmo balaio suas respectivas tradições, estilos, linguagens e instrumentos. Esse processo inovador faz com que tenham que inventar novas partes, adaptar aos instrumentos novos padrões musicais que normalmente não lhe são familiares. A interação com técnicas modernas de produção, gravação e amplificação dá uma visão bem excitante e criativa ao projeto."

Agora é só ver e ouvir:




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